Profissionalização do processo criativo e a valorização profissional

Todos os dias, enquanto arquitetos e/ou profissionais do design, nos deparamos com as famosas frases: “eu gostei, mas será que não podemos fazer assim?”; “eu já tenho um desenho, só preciso passar pro papel”; “nossa, mas fazer isso custa muito caro, tenho um primo que mexe nesse programa, não preciso gastar tanto”; e muito mais…

Sabe qual é o  maior problema desse tipo de comportamento do mercado de trabalho ou dos nossos clientes? É o estigma “exclusivista” que estamos inseridos enquanto profissionais que criam e desenvolvem construções, reformas e produtos. Somos taxados de profissionais de luxo, com bom gosto, talentosos, refinados, sofisticados, e, até mesmo, de artistas. 

Se analisarmos isso ao pé da letra, qualquer desses elogios nos deixam com o sentimento de dever cumprido ou até com a soberba de que somos melhores do que qualquer outro profissional. Isso também nos leva a sensações de que somos talentosos e que o nosso trabalho deve ser reconhecido apenas pelo nosso perfil ou por algum projeto que fizemos. 

Muitos clientes não percebem a importância de contratar um arquiteto, optando por soluções amadoras e economizando sem pensar nas consequências — Foto: Shutterstock

Mas, não é bem assim. Pensa comigo, se o mundo precisa de arquitetos e designers em todos os lugares, classes sociais e escalas, é justo que o trabalho seja satisfatório apenas para uma pequena parcela de profissionais e clientes? Se você respondeu não, temos algo em comum: não estamos contentes com os rumos da nossa profissão no Brasil e em vários lugares do mundo. 

Após ter tido experiências com vários projetos, prêmios, eventos, palestras e cursos, me perguntei como cheguei a lugares que a maioria dos demais profissionais não chegou e por que ainda passo por determinados perrengues que a maioria dos profissionais passam.

Recentemente, cheguei à conclusão de que a minha profissionalização me levou a lugares muito interessantes, mas que o estigma do mercado de trabalho me trava em vários, como por exemplo, receber determinados elogios e não ser incluído em projetos e etapas em que as soluções de arquitetura são as mais importantes, pois vão afetar diretamente o uso dos espaços e a cidade. 

Digamos que um determinado cliente seja homem, classe média, e queira fazer uma reforma em uma casa grande, de periferia, onde vive com a família no térreo, com a mãe e o pai no 1º pavimento e com o irmão e sua respectiva família no 2º pavimento. 

Otavio Castro é jornalista, arquiteto e Diretor e Fundador da OGA Arquitetura — Foto: Camila Santos

A reforma consiste em melhorar a funcionalidade da casa, pois a construção foi erguida por leigos e que vivem no perrengue há anos. Atualmente, com a possibilidade econômica de melhorar os ambientes da casa, o tal homem procura referências na internet e contrata o pedreiro da família para resolver a situação, sem contratar um profissional de arquitetura ou design. Sim, o CAU não tem perna pra fiscalizar tudo, e isso acontece com mais de 80% da população que não acessamos. 

Analisemos a outra ponta, ou seja, os 20% que acessam o serviço de profissionais de arquitetura. Imaginemos que o mesmo homem, porém com uma casa num condomínio fechado, com uma família de três pessoas, também acha que algum ambiente de sua residência não está adequado. Entretanto, a casa foi projetada por um profissional, funciona pro dia a dia, necessitando apenas de alguma adaptação. Ele faz reuniões com vários profissionais e contrata o mais barato ou o que parece que vai deixar a casa dele com mais “estilo”, mais bacana. Esse profissional talvez seja o mesmo que faz muitas coisas de luxo e vai deixar a casa dele mais bonita que a do vizinho. 

Os dois cenários nos colocam em situações de precarização. Na primeira somos invisíveis e/ou inacessíveis e na segunda somos um “bibelô” e o processo seletivo de compra é feito apenas pelo seu estilo ou, pior ainda, pelo seu preço, e no final temos um troféu em sermos chamados de “meu arquiteto”. Veja bem, em nenhum momento fomos vistos como necessários ou importantes, mas apenas como algo superficial. Na primeira existe o “eu faço mesmo” ou “isso é desnecessário, seu Zé resolve”, e, no segundo, “é por que faz parte de um status”. 

Mas, por qual motivo a profissionalização da criação nos leva a essas situações exemplificadas? Simples. Se não se projeta com pesquisa, dados, soluções e percepção do todo, tudo vira uma mera criação, forma pela forma, planta pela planta, volume pelo volume, nada se justifica a não ser pelo fato do que “ficou bom”. Então, se fica bom de um jeito, fica bom de vários, e, desse modo, é muito fácil fazer ficar bom: basta se ter acesso a internet; se o engenheiro resolve a estrutura e a faz ficar em pé; se é o revestimento que resolve o problema do volume; se é a cortina que resolve o problema da insolação; e se é o ar-condicionado que resolve do aquecimento da obra. 

Mudando a forma de apresentar o trabalho, arquitetos podem se tornar essenciais no processo social, não apenas profissionais superficiais — Foto: Shutterstock

Então, qual o papel da criação do arquiteto e do designer no todo? Qual a responsabilidade civil que temos enquanto profissionais projetando qualquer desenho e deixando que os outros resolvam? Criar é o momento de trazer soluções técnicas e estéticas e, sem informações e métodos, apenas fazemos desenhos.

O processo sensível do arquiteto, lúdico, histórico e de percepção faz parte de cada profissional e é importante para a construção de arquiteturas mais humanas, próximas da natureza e diversas, dando ritmo e vida às nossas cidades, com arte e acesso. 

Portanto, trabalhar métodos de criação, com dados, informações, soluções técnicas  estéticas, que fazem sentido para as diversas demandas e composições, nos auxiliam na produção de bons projetos, dá a segurança e qualidade para qualquer intervenção ou construção a ser feita e tira o estigma do “fica bom”.

Para que as diversas realidades sejam melhoradas, é importante que o profissional que atenda o mercado de arquitetura não se deixe levar apenas pelo talento e sofisticação, mas que mude seu jeito de apresentar seu trabalho. Sustentando sua criação com soluções técnicas efetivas, pois, deste modo, nos tornamos importantes diante do processo social e não apenas profissionais superficiais. 

Seguindo métodos e processos, ou seja, profissionalizando o ofício da criação, poderemos calcular os honorários de maneira mais sólida a atender o que realmente importa para todas as classes sociais, pois o serviço não é um só: temos várias maneiras de atender pessoas e o projeto é apenas uma delas.

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