“Há um gosto de encanto e vitória em ser simples. Não é preciso muito para ser muito”, dizia Lina Bo Bardi em referência às condições de suas arquiteturas e das arquiteturas de seu tempo. Niemeyer, em uma entrevista para o Programa Roda Viva em 1997, se queixou da decoração que uma cliente fez em uma de suas casas, dizendo que é preciso que haja vazios na decoração para que não ocorra o ofuscamento da arquitetura.
As falas desses dois grandes mestres demonstram como a arquitetura tem sido maltratada e empobrecida na maioria das cidades. É possível afirmar que as características da arquitetura modernista brasileira continuam a dar vida aos projetos na atual contemporaneidade sob a supervisão de novos arquitetos. Entretanto, poucos profissionais se dedicam a estudar e perpetuar sua própria linguagem, seja ela num bairro nobre ou de periferia.
Já escrevi sobre a relação entre a dignidade das obras construídas e a história da arquitetura brasileira no artigo Arquitetura Brasileira além do tempo, para chamar a atenção sobre como temos construído nossas cidades sem o mínimo de estudo possível e preocupação com o futuro. E aqui estou novamente para abrir mais um canal de discussão sobre o assunto.
Pego-me a pensar que a maioria das casas tem sido construídas para estabelecer um padrão de status de vida e classe social, de modo que qualquer projeto pode fazer ou replicar um modelo e um “trato” à arquitetura projetada para dar uma cara de “alto padrão” ou “popular”, a depender de sua destinação. Isto não é novidade, na história da humanidade temos vários exemplos de arquiteturas feitas exclusivamente para a nobreza, burguesia e o clero, e também para as pessoas pobres.
De fato, a arquitetura nasceu dos lugares mais abastados, projetando detalhes que remetiam ao poder de cada família ou comunidade. Porém, hoje em dia, graças à democracia, a boa arquitetura consegue acessar mais pessoas e lugares que antes não acessavam. Ciente disso, busco compreender qual o papel da arquitetura construída dos anos 2000 até hoje?
Com as arquiteturas, tanto residenciais quanto comerciais, cada vez mais efêmeras e sem graça, é necessário que o Design de Interiores atue diretamente no desejo das pessoas e transforme os espaços internos em verdadeiras obras de cenografia para dar sentido ao cotidiano, mas totalmente desconectadas da construção que a envolve.
Na relação entre espaço construído e estilo de vida temos muitas camadas que poderiam ser resolvidas de maneira simples e mais representativas do que fachadas em L, C ou U, vidros coloridos e sem qualidade arquitetônica, pois os volumes são simplificados ao ritmo das plantas baixas e as texturas dos revestimentos. Isso acaba por criar edifícios sem identidade própria de lugar. Ou seja, uma arquitetura construída em Vitória, mas que também poderia estar em Belém ou Manaus.
Quando levo as edificações de um lugar para o outro, me refiro a falta de preocupação com o entorno, clima, paisagem e identidade cultural, onde apenas a estética do “padrão” é o suficiente. A referência de todo esse pensamento vem dos modelos de ocupação total do terreno, quando se obtém o maior lucro e sem preocupação com a vida da cidade, ditando pouquíssimas formas de projetar arquitetura, ganhando o desejo dos leigos com marketing de primeira qualidade.
Entendo que cada empresa e prefeitura faz o que deseja para ela mesma ou para um grupo de pessoas, mas analisando a partir de um raciocínio de curto prazo, busca-se apenas o lucro pela base da máxima do “fazer muito com muito pouco”. Essas decisões afetam as pessoas e consequentemente a paisagem e a vida da cidade, pois o emprego de materiais é ruim e faz-se pouco pela qualidade de conforto ambiental e ambiência.
Sabemos que é possível identificar comunidades em prol de um ritmo visual em que se valoriza mais ou menos determinada materialidade ou forma. Deste modo, o ideal seria pensar: quem define os rumos do modismo da arquitetura? Seria o próprio cliente?
Meu maior questionamento vem desta pergunta, pois o leigo, que pode ser chamado de cliente (consumidor) recebe a obra pronta, não escolhe a fachada, o tipo do revestimento e muito menos a planta. E todas as decisões da construção têm sido tomadas exclusivamente por quem raciocina na lógica do lucro máximo. Comparando com a antiguidade, o mercado imobiliário é o novo clero da cidade atual, pois as regras de comportamento e projeto da arquitetura são ditadas por este mercado e ninguém mais.
Analisando as questões estéticas e de ambiência, busco mais uma frase de Lina Bo Bardi, “a felicidade da casa é proporcionar uma vida conveniente e confortável. Seria um erro valorizar um resultado exclusivamente decorativo”. Basta observar o que está sendo construído para compreender que Lina deve estar se revirando no túmulo (risos).
Apesar da brincadeira, é importante refletirmos o quanto somos manipulados por um mercado que nos dá o poder de decisão das soluções projetuais, com consequência da reprovação de tudo caso não se enquadre no padrão comercial estabelecido. Ou seja, quanto menos a arquitetura decidir, melhor para o setor comercial, é basicamente um projeto sendo feito pela planilha de Excel diretamente de uma IA.
É muito comum que a maioria das casas ou edifícios construídos, dos anos 2000 até os dias atuais, tenham características de volumes pobres e sem ritmo, com interiores dignos dos cenários de novela das oito. O mercado vende um edifício que vai ficar velho e sem graça em poucos anos, sem qualidade arquitetônica, com apartamentos cada vez mais precários, necessitando do design de interiores para refazer o local e adequar as questões funcionais e estéticas do espaço.
Do ponto de vista das periferias, as pessoas de classe média baixa e pobres se deparam com paisagens construídas cada vez mais feias e mal construídas, enquanto as zonas mais ricas e de classe média alta estão cada vez mais cafonas e sem o mínimo de cuidado em suas vias.
Portanto, estamos cada vez mais complexos e evoluídos do ponto de vista tecnológico, porém mais pobres na produção de arquitetura. E nesse estado de falta de personalidade, as pessoas leigas se iludem e gastam seus recursos para viverem os sonhos em locais sem valor arquitetônico, replicando o estilo de vida cada vez menos voltado à cidade, à simplicidade do durável e da criação das próprias histórias. É literalmente a troca do real pelo virtual, do verdadeiro pelo duvidoso, da boa arquitetura pelo modismo que logo se tornará cafona.
Talvez eu refaça este texto em alguns anos e mude de opinião, mas neste exato momento, a reflexão que faço é justamente compreender a razão do desinteresse pelo bom, simples e atemporal. Isso nos ajudaria na luta contra a poluição, causada pela construção civil, na luta pela preservação dos patrimônios históricos e na luta pela construção de qualidade e com mais tecnologia.
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